STF determina que governo reative Fundo Amazônia em 60 dias
Mecanismo capta doações para projetos de preservação e fiscalização do bioma; Alemanha e Noruega são principais doadores. Ministros veem ‘omissão inconstitucional’ em recursos parados.
Por Rosanne D’Agostino, g1
O Supremo Tribunal Federal (STF) determinou nesta quinta-feira (3) a reativação, no prazo de 60 dias, do Fundo Amazônia – que capta doações para projetos de preservação e fiscalização do bioma.
O plenário julgou uma ação em que partidos da oposição – PSB, PSOL, PT e Rede – alegaram que o governo é omisso e que a União está deixando de disponibilizar bilhões do fundo, já em conta, que legalmente deveriam ser destinados para financiar projetos de preservação na Amazônia Legal.
A análise teve início no dia 6 de outubro. Na semana passada, a Corte formou maioria para determinar a reativação do fundo (veja no vídeo abaixo).
Rosa Weber, que é a relatora do caso, votou por conceder parte dos pedidos, determinando que a União adote, em 60 dias, nos limites de suas competências, as providências necessárias à reativação do fundo, com o formato de governança anterior, estabelecido em decreto de 2008.
“O problema da omissão inconstitucional, que procurei desenhar, reside no comportamento comissivo do administrator que instaurou um marco normativo desestruturante do antecedente, sem as salvaguardas jurídicas para manutenção do quadro mínimo dos deveres e direitos ao meio ambiente equilibrado”, disse.
“Entendo como medida jurisdicional adequada, para a primeira solução do problema, a suspensão da aplicação dos dispositivos que alteraram o modelo de governança do Fundo Amazônia. Compete à União tomar as medidas administrativas necessárias para a reativação do fundo”, declarou.
O fundo
Criado em 2008 para financiar projetos de redução do desmatamento e fiscalização, o Fundo Amazônia está parado desde abril de 2019, quando o governo Bolsonaro extinguiu os colegiados Comitê Orientador (COFA) e o Comitê Técnico (CTFA), que formavam a base do fundo.
Um relatório de auditoria elaborado pela Controladoria Geral da União (CGU) apontou, em junho, que a gestão do Ministério do Meio Ambiente do governo Bolsonaro colocou em risco a continuidade do Fundo Amazônia e, por conseguinte, uma série de políticas ambientais, ao extinguir de forma unilateral, “sem planejamento e fundamentação técnica” colegiados que formavam a base dessa iniciativa de financiamento.
De acordo com a CGU, até dezembro do ano passado, o fundo já tinha cerca de R$ 3,2 bilhões parados para a destinação a novos projetos.
Em abril deste ano, o Supremo derrubou três decretos sobre política ambiental do governo Bolsonaro, incluindo o que extinguiu o Comitê Organizador do Fundo Amazônia. As decisões faziam parte do chamado “pacote verde”, que discute políticas socioambientais adotadas no país nos últimos anos.
Em audiência pública sobre a ação em julgamento, realizada em 2020, o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, afirmou que o governo federal não recriou o Conselho Orientador do Fundo Amazônia porque os países europeus doadores rejeitaram mudanças no modelo de gestão dos recursos.
Em maio do ano passado, Salles tentou mudar as regras do Fundo e anunciou a intenção de destinar os recursos captados para indenizar proprietários de terras. Ele também afirmou na época haver indícios de irregularidades nos contratos firmados com ONGs, mas não apresentou nenhuma prova que confirmasse a afirmação.
Votos
Primeiros a votar, os ministros André Mendonça e Nunes Marques divergiram da relatora.
André Mendonça divergiu em parte da relatora, entendendo que não houve omissão, mas sim, inconstitucionalidade nos decretos que alteraram o fundo.
“Não questiono o que ou por que das medidas. Entendo legítimas porque integram a discricionariedade do poder público. (…) Mostra-se plenamente possível se almejar um comitê executivo, se incrementar a periodicidade dos comitês, que os recursos sejam distribuídos de forma mais equânime”, afirmou. “No entanto, o problema diz respeito ao como fazer.”
Segundo Mendonça, “a simples inexecução do fundo em um contexto de carência de recursos compromete princípios constitucionais”. “Para alcançar a eficiência, adotou-se uma medida que não encontra amparo nos preceitos da Constituição”, disse.
Nunes Marques considerou não se tratar de uma omissão e defendeu que cabe a cada governo garantir seu próprio plano de proteção ao meio ambiente, e não a partidos imporem sua visão de mundo à administração. O ministro também argumentou que não cabe ao Judiciário intervir na política pública ambiental.
“Não é exato dizer, portanto, que há uma patente omissão governamental, o que existe é uma reavaliação da sistemática do Fundo Amazônia”, afirmou.
Na quinta passada, acompanharam a relatora os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Dias Toffoli. Na retomada do julgamento, os ministros Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes também acompanharam a maioria.
Alexandre de Moraes argumentou que, “em que pese os recursos arrecadados, essa inatividade do fundo acabou gerando a não utilização desses recursos”. “Nada justificaria sua paralisação por tempo indeterminado (…). O que se está a proteger não é algo meramente burocrático, é o meio ambiente.”
Edson Fachin disse que há “grave agressão à Constituição que não pode passar impune”. “A ausência de qualquer solução para o impasse já vem de 2019”, afirmou.
Luís Roberto Barroso afirmou que o fundo deixou de aprovar novos projetos de investimento e interrompeu os que já estavam em curso. “Esse [meio ambiente] é um problema global que precisa ser enfrentado em todos os países”, defendeu.
O ministro Luiz Fux disse que houve “sucessivas condutas de esvaziamento” do fundo. “Não tenho como concluir de maneira diferente da omissão do fundo Amazônia”, afirmou.