Registro do atentado contra Trump chama a atenção pela força simbólica; especialistas explicam
Mesmo tirada no calor do acontecimento, a imagem segue uma série de regras da composição visual.
Por Jornal Nacional
Dentre todos os registros do atentado contra Donald Trump, uma foto em particular entrou para a história. O correspondente Felipe Santana explica por quê.
O que fez a foto rodar o mundo e não alguma outra? Para entender o impacto, precisamos entender, em primeiro lugar, como a foto foi feita.
Donald Trump se abaixa depois dos disparos, e os agentes secretos o protegem. O fotógrafo Evan Vucci, da agência Associated Press, estava nesse momento no canto esquerdo do palco e registrou essas fotos dos agentes em cima do ex-presidente.
“Na hora em que ouvi os tiros, eu sabia que era um momento da história americana que precisava ser registrado. É nossa função como jornalistas fazer esse trabalho”, afirma.
Donald Trump fica no chão por um minuto. Quando levanta, pede para colocar o sapato e para os agentes esperarem. Logo depois, ele coloca o braço e a cabeça para fora e diz:
“Lutem. Lutem. Lutem”, com o punho cerrado.
O punho cerrado é um símbolo que significa resistência à violência. O primeiro registro dele é do ano 600 antes de Cristo, no Império Assírio. Mas foi usado em vários movimentos de contracultura no decorrer da história.
Numa hora, pode-se ver Evan Vucci correndo na frente do palco. Ele se posicionou e tirou as primeiras fotos. Logo depois, Donald Trump é escoltado até a escada. A agente do Serviço Secreto perde os óculos. A bandeira está ao lado esquerdo dele. Nessa hora, Evan tirou dezenas de fotos. Mas uma foi aclamada pelos seus colegas.
Chester Higgins foi repórter fotográfico do jornal “The New York Times” por 40 anos.
“Quando eu fui cobrir meu primeiro presidente, meu chefe me falou: ‘Se prepare para as fotos, mas também para uma tentativa de assassinato’. Quando você está estudando para ser fotógrafo, você aprende centenas de jeitos de fazer uma composição que prenda a atenção das pessoas. Quando você sai para fazer uma fotografia jornalística, você tem que passar essas centenas de possibilidades na sua cabeça e ir eliminando cada uma delas, com a limitação da realidade que acontece muito rápido na sua frente. O que você precisa fazer é simplificar uma composição que faça com que a imagem ecoe para sempre. E essa foto ecoa”, explica Chester Higgins.
O beabá da fotografia é a regra dos terços, em que o fotógrafo divide a foto e coloca os elementos principais onde as linhas se encontram. Nesse caso, o rosto de Donald Trump está bem no meio e, onde as linhas se encontram, está o cotovelo dele, que levam o olhar para cima, na mão. A composição da foto forma um triângulo, que é uma forma geométrica que comunica muito.
O triângulo foi repetido na história da arte quando o tema pede glorificação de um personagem. O quadro se chama “Liberdade Guiando o Povo”, do pintor francês Eugène Delacroix. Ele representa a Revolução na França, em 1830, que tirou do poder o Rei Charles X. A mulher representada é o símbolo da França, Marianne. Ela usa o gorro frígio, um chapéu que é associado à liberdade. Ela guia o povo entre as barricadas para derrubar o rei.
A tinta desse quadro não tinha nem secado e o governo do rei seguinte, Louis-Philippe, comprou o quadro e colocou no Museu do Louvre, em Paris. Hoje, é um dos mais famosos da história. Também segue a regra do triângulo e tem a bandeira da França como símbolo máximo.
O triângulo significa uma união dos dois pontos abaixo rumo a um elevado no centro, o mais importante. Ele cria uma organização hierárquica da imagem, ou seja, o mais importante vai em cima. Muito usado na arte sacra, como no quadro da crucificação de Paul Rubens. E, depois, se tornou o jeito preferido por líderes para seus retratos -como o Napoleão de Jacques-Louis David.
“Essa foto tem esse poder porque cria a imagem de uma pessoa que prevaleceu e está envolta na bandeira americana. Seria tolo por parte da campanha de Trump se eles não usassem essa foto. Pelo que ela comunica. A mensagem de que eu venci”, afirma Chester Higgins.
As imagens seguem uma gramática visual da mesma forma em que a gente usa gramática na escrita. E quando essa técnica é executada com maestria – e um pouco de sorte – ficam gravadas na memória com o impacto que pode, inclusive, influenciar uma eleição.